Sobre a importância dos gestos
Por Saulo Moreira
O auditório do Senac de Caruaru estava lotado naquela manhã de quarta-feira, 6 de dezembro de 2017.
Cerca de 700 jovens e adolescentes de escolas públicas da cidade assistiam eufóricos a mais uma edição do Eleitor-Político do Futuro, programa do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que mostra a importância da participação política na construção da democracia.
Lideranças políticas, empresariais, juízes, desembargadores, advogados, promotores, religiosos e professores acompanhavam as apresentações no palco.
Eram atividades culturais, lúdicas, muita poesia e arte. Tudo com o viés da mobilização popular, tudo com o objetivo de mostrar que não podemos ficar alheios ao mundo em nossa volta.
Um talentoso garoto chamado Vinícius Amorim (Vini), com a sanfona no colo, havia tocado o Hino Nacional. O Maestro Bitonho já tinha contado sua história de superação.
Dali a alguns minutos, o juiz José Fernando Souza Santos, da Vara Regional da Infância e Juventude de Caruaru, iria narrar sua espetacular trajetória de vida (para quem não sabe, ele foi abandonado numa caixa de sapato quando era bebê. Foi salvo graças ao amor da mulher que o adotou. Mas isso é outra história).
No intervalo entre uma apresentação e outra, alunos de uma escola do interior da Paraíba começaram a encenar uma esquete que haviam elaborado naquele ano. Era uma história sobre uma mandatária municipal corrupta e a articulação popular para denunciá-la e tirá-la do poder.
A rebeldia e a inquietação dos jovens tinham tudo a ver com a ideia do evento, mas, conforme aquela máxima atribuída a Nietzsche, o diabo está nos detalhes.
Havia, sim, uma impertinência naquela situação. Então prefeita de Caruaru, Raquel Lyra assistia a tudo na primeira fila com o semblante compreensivelmente contrariado.
A peça não tinha a menor relação com ela, mas era de fato constrangedor o uso de expressões como “prefeita corrupta” e “prefeita ladra” diante de uma prefeita de carne e osso que, sem absolutamente nada a ver com a trama, estava ali para prestigiar aquelas apresentações.
Bom observador que é, o então presidente do TRE, Luiz Carlos Figueirêdo, notou a saia justa no começo da apresentação e também expressou insatisfação com meneios de cabeça.
A situação era delicada porque não ficava bem encerrar ou abreviar a duração da peça. Mas quanto mais os jovens xingavam a prefeita fictícia, mais a prefeita verdadeira era injustamente e involuntariamente atingida.
Nem bem a peça terminou, o presidente do TRE subiu ao palco, pegou o microfone, elogiou o desempenho da meninada e falou em alto e bom som que aquele roteiro nada tinha a ver com a prefeita Raquel Lyra, que, diga-se, àquela altura, era muito bem avaliada pelo povo de Caruaru. Todos aplaudiram. O desembargador destacou que aquilo havia sido uma coincidência infeliz, pediu desculpas a Raquel e o baile seguiu sem traumas.
No final, a prefeita fez questão de abraçar Luiz Carlos e agradecer sua intervenção.
Na tarde deste domingo, 1º de janeiro de 2023, Raquel Lyra foi empossada como governadora de Pernambuco, a primeira mulher à frente do Executivo estadual. Na mesa de honra estava o atual presidente do Judiciário Estadual, o mesmo desembargador Luiz Carlos Figueirêdo.
Talvez eles nem lembrem do episódio de cinco anos atrás, mas eu lembro.
Parabéns, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Dr. Luiz Carlos Figueirêdo, a época Presidente do TRE, pela sua brilhante intervenção e iniciativa que consertou a situação constrangedora, da inconveniente coincidência da péssima prefeita fictícia e a então prefeita verdadeira de Caruaru.
O ato heróico, humilde e nobre naquele episódio que colocou ordem no final daquela peça não deveria nunca ser esquecido e sim reverenciado, compreendido e servir de lição a todos.
São poucos os que se importariam em ter uma atitude rápida, eficaz e corajosa, digna de um grande homem.
Parabéns ao honrado atual Presidente do TJPE e honrada atual Governadora do Estado de Pernambuco.