Foto de uma criança sendo observada por um abutre. Criticado, o fotógrafo Kevin Carter cometeu suicídio meses depois. Antes, colocou a questão africana no centro de uma agenda global. Crédito da foto: Kevin Carter/Corbis Sygma

A fotografia ainda pode mudar o mundo?

Por Ricardo Labastier

Publicado em Cultura | 15/02/2021

Kevin Carter foi um premiado fotojornalista sul-africano, nascido em Joanesburgo em 1960,       e que cometeu suicídio aos 33 anos na sua cidade- natal.

Carter fazia parte de um grupo de fotógrafos que  se chamava o Bangue Bangue Clube. Com ele, estavam Greg Marinovich, Ken Oosterbroek e João Silva. O quarteto de captadores de imagens se dedicava às causas turbulentas da época no período de transição do regime de apartheid para o governo democrático.

Em 1993, durante uma incursão no Sudão, sob uma carnificina e longa guerra civil, Kevin fez o registro de uma cena que chocou o mundo: uma criança agudamente desnutrida, encolhida como um feto, sob o olhar de um abutre – como se a ave estivesse à espreita para  atacar a criança após sua morte. A fotografia foi publicada em milhares de veículos de imprensa da época e ganhou um dos maiores e mais prestigiados prêmios, o Pulitzer de Fotografia Especial. Kevin Carter foi severamente criticado na época, com diversos tipos de acusações sobre sua atitude, surgindo especulações do porquê de o fotógrafo não salvar o menino, mas sim preferir fotografá-lo. Kevin Carter tirou a própria vida um pouco mais de um ano depois de ter feito a foto.

 As funções de qualquer profissional são delegadas por comandos superiores ou por opções ideológicas. Numa guerra, os soldados obedecem ordens extremamente bárbaras de seus generais. A Cruz Vermelha está ali para salvar vidas, os políticos para tentar um entendimento diplomático e o fotógrafo para denunciar. Reza a lenda que a criança morreu anos depois de uma virose e não de fome ou pelo ataque do animal.

A icônica foto da menina Kim Phuc, correndo com o corpo devastado por napalm após um bombardeio americano descortinou o horror da guerra do Vietnã. Crédito da foto: Nick Ut/AP

Pela imensa repercussão do fato, a imagem captada pelo fotógrafo, colocou a questão África pela primeira vez na agenda internacional. A fotografia pode mudar o mundo?

Assim como o exemplo citado acima, há vários outros que permearam a relação fotografia/mundo principalmente no século passado. Quem nunca viu ou ouviu falar da famosa imagem da menina kim Phuc, correndo com suas roupas em chamas, fruto de um bombardeio de um avião norte-americano no ano de 1972, que atingiu a população de Trang Bang com Napalm?

Ou a imagem “desembarque na Normandia” do famoso repórter-fotográfico da época, Robert Capa? A quantidade de fatos como esses são inúmeros. Até nos dias atuais há exemplos de fotografias que ainda chocam, transformam, faz ferver uma sociedade e a humanidade como um todo. É essa uma questão bastante relativa pois a importância e a capacidade de uma fotografia ser transformadora, vai depender essencialmente de fatores planetários de um mundo global e extremamente imagético.

 Acredito  que uma única fotografia possa causar uma reflexão, uma transformação social nas pessoas ao redor do mundo. A arte e a fotografia educam. Mas os tempos mudaram. Com a estratosférica produção de imagens no planeta, constante e desenfreada, esse modelo de transformação também começou a mudar.

A construção transformadora da fotografia nos tempos atuais vem através da coletividade mundial. A produção em massa de imagens sobre diversos assuntos vai se juntando numa espécie de  Raio-X planetário, como um gigantesco rastro da humanidade no seu tempo. Essa espécie de mapa imagético do comportamento humano é o que definirá os passos da  humanidade. Eis a transformação.

A fotografia surgiu a partir da inerente necessidade do ser humano de congelar o tempo. Não existiu um único ser criador da “nova tecnologia” há quase 200 anos atrás. Em algumas partes do mundo existiam pessoas experimentando, testando, querendo descobrir formas e maneiras de documentar o tempo e os fatos. A fotografia surgiu de uma coletividade  solitária.

Ricardo Labastier

Ricardo Labastier

Ricardo Labastier, 48, é fotógrafo há 25 anos. Trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco, Correio Braziliense e prestou serviços para diversas editoras, como Globo, Abril e Brasiliense. Tem em seu currículo prêmios como o Marc Ferrez de Fotografia 2013, Prêmio Pernambuco de Fotografia 2019 e dois Essos Regionais. Faz parte da Coleção Pirelli Masp de Fotografia Edição 2009 e da Coleção do MAMAM – Museu de Arte Aluízio Magalhães/PE, desde 2011. Participou de diversas exposições no Brasil e no exterior: PhotoEspanha (Madrid), Europalia (Bélgica), Noordelicht (Holanda), Fotograma 13 (Uruguai) Masp (São Paulo), Festival de Fotografia de Tiradentes (Minas Gerais), entre outras. Atualmente mora em Olinda/PE e atua em diversos campos da fotografia.

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2 respostas para “A fotografia ainda pode mudar o mundo?”

  1. Avatar Fabiane Cavalcanti disse:

    Parabéns pelo artigo, Labá. “Congelar o tempo” com arte é para poucos e bons como você. Um abraço.

  2. Avatar Arthur Marrocos disse:

    mas que demais… querido Labá e a sua versatilidade.

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